Como Alpargatas, Grendene, Braskem e Marcopolo enfrentaram o câmbio sobrevalorizado – e venceram.

FORÇA DA FAMAPara enfrentar a valorização do câmbio, a Alpargatas optou por reposicionar a marca Havaianas nos Estados Unidos e na Europa. As sandálias ficaram mais caras, o que significa maiores margens e menos competição com as similares chinesas. A favor da Havaianas, há o fato de que ela é uma das marcas brasileiras mais conhecidas –
e respeitadas – no exterior. O par de sandálias encareceu 19% em dólar no último ano. Custa entre US$ 18 e US$ 20 nos Estados Unidos e entre 25 e 30 euros no mercado europeu
e respeitadas – no exterior. O par de sandálias encareceu 19% em dólar no último ano. Custa entre US$ 18 e US$ 20 nos Estados Unidos e entre 25 e 30 euros no mercado europeu
As sandálias Havaianas e Melissa calçam mulheres e homens em mais de 80 países. Suas fabricantes, Alpargatas e Grendene, superaram faz tempo o desafio de conquistar clientes lá fora. Difícil, para elas, é manter a rentabilidade das exportações com um real que insiste em se fortalecer mês após mês. Como se sabe, a valorização da moeda nacional – nada menos que 36,8% entre dezembro de 2005 e dezembro de 2010 – torna os produtos brasileiros mais caros e, portanto, menos competitivos no mercado externo. De modo geral, a indústria calçadista é uma das que mais têm sentido o golpe do câmbio. O polo de Franca, no interior de São Paulo, que chegou a exportar 15 milhões de pares de sapatos por ano na década passada, vendeu só 3,4 milhões de pares no exterior em 2010. Cerca de 1,8 mil empresas brasileiras dos mais diversos ramos já desistiram de clientes estrangeiros. Diversos setores registram déficits comerciais históricos. O de eletroeletrônicos fechou negativo em US$ 27,3 bilhões no ano passado.
Neste cenário, Alpargatas e Grendene têm demonstrado resiliência notável para enfrentar uma combinação indigesta de ameaças – alta dos custos de matérias-primas e forte competição com fabricantes de outros países, dentro e fora do Brasil – sem abrir mão das posições conquistadas lá fora. Suas estratégias têm semelhanças e diferenças, mas trazem lições para qualquer exportador brasileiro. A começar pela atitude. “O real valorizado sempre atrapalha, mas buscamos alternativas. Se a empresa tem competência, ela se diferencia”, afirma Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. A companhia optou por um reposicionamento da marca Havaianas nos Estados Unidos e na Europa. Ela ficou mais cara, o que significa maiores margens e menos competição com similares chinesas – à custa de muito investimento em marketing, direcionado para revistas, feiras e pontos de venda. O par de sandálias encareceu 19% em dólar no último ano. Custa entre US$ 18 e US$ 20 nos Estados Unidos e entre 25 e 30 euros na Europa.
Ações como essas, replicadas na linha Topper, têm resultado em aumento da receita e da internacionalização das marcas. Em 2005, as exportações representavam menos de 3% do faturamento da Alpargatas. Hoje, respondem por 30%. No mesmo período, o número de países nos quais a companhia vende sandálias Havaianas, tênis Topper e calçados Dupé subiu de 20 para 79. Atualmente, 15% de toda a produção da Alpargatas é de Havaianas para exportação. Essa “descomoditização” é outra lição a considerar. “Competir com base em preço é loucura”, afirma Utsch. Uma taxa de câmbio na casa de R$ 2 por dólar aumentaria as exportações. “Mas nós sempre desejamos uma taxa de câmbio livre. Ela está aí, e essa é a regra do jogo.”
A Grendene, que exporta as sandálias Melissa e Ipanema, também aposta em se diferenciar da multidão. No terceiro trimestre do ano passado, os preços dos seus calçados subiram, em média, 16% em dólar, em relação ao mesmo período de 2009. “Com o real mais forte, se mantenho o preço em dólar, a margem começa a diminuir”, diz Francisco Schmitt, diretor de Relações com Investidores. “O câmbio torna mais difícil a competição com produtos mais baratos. Por isso, procuramos competir com linhas menos sensíveis a preço.” De novo, isso depende de uma boa estratégia de marketing. Desde 1983, a companhia trabalha em parceria com designers internacionais de prestígio, como Jean Paul Gaultier. Em 2002, Gisele Bündchen endossou a linha Ipanema. O modelo de negócios da Grendene é o fast fashion da espanhola Zara, com o lançamento de quatro a cinco coleções por ano.
A atitude positiva frente ao desafio do câmbio e a migração para segmentos mais influenciados pelo glamour que pelo preço são virtudes replicáveis. A vantagem comparativa de usar fartamente insumos importados é, no mínimo, questionável. O mesmo real forte que prejudica Alpargatas e Grendene na hora de exportar beneficia as duas empresas quando se trata de adquirir matérias-primas cotadas em dólar. Em especial, a borracha, que representa quase 30% do custo de produção da Alpargatas. Bom para elas; ruim para a cadeia produtiva. “Quanto maior o conteúdo de insumos nacionais e mão de obra intensiva, pior a competitividade do produto brasileiro no exterior. A indústria está sendo forçada a parar de produzir e importar”, diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior da Fiesp, já apelidada de Federação dos Importadores do Estado de São Paulo.
As importações feitas pela indústria de transformação, de fato, deram um salto de quase US$ 100 bilhões em cinco anos. Passaram de US$ 61,3 bilhões em 2005 para US$ 160,2 bilhões em 2010. No mesmo período, as exportações da indústria nacional cresceram de US$ 93,2 bilhões para US$ 127,6 bilhões, segundo dados da Funcex. A balança comercial do setor manufatureiro, portanto, tornou-se deficitária. “A partir do momento em que a taxa de câmbio ficou abaixo de R$ 2, boa parte das indústrias passou a ter prejuízo nas exportações”, afirma Giannetti. Isso vale para os setores de plástico, alumínio, autopeças, papel e celulose e produtos químicos. Muitas empresas estão desistindo precocemente da internacionalização. Em 2004, havia no país 21.031 empresas exportadoras. Em 2009, último dado disponível na Funcex, eram 19.272. Nesses cinco anos, o cenário mudou drasticamente.
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